09 março, 2007

No 8 de Março

Durante muito tempo, as minhas agendas diziam sempre no 8 de Março: Dia da Mulher. Anos Avô. Anos SLB. Este é o primeiro ano em que não escrevi assim, porque o meu avô morreu em Junho e eu achei que não devia pôr.
Hoje fiz o que nos últimos anos tenho feito neste dia: falo em sessões sobre o dia da mulher, o que conquistámos e o que ainda nos falta até à igualdade de verdade. Mandei mensagem ao nosso SLB, a namorar em Paris e a choramingar no Parque dos Principes. Este foi o primeiro ano em que o meu avô não esteve.
O meu avô chamava-se António e morreu com 86 anos. Era um homem bom, que teve uma vida longa, digna e bonita. Morreu de mão dada com a minha mãe. Despediu-se de mim no dia do casamento da Inês, pelo telefone, ele que não gostava de falar ao telefone, e eu pude dizer gosto muito de ti, avô. Que eu nunca tinha dito. E chorei, mas só um bocadinho, de saudades, porque morrer assim é justo e normal. É a vida. Faz parte. E ele disse, com a voz fraquinha: que sejas sempre assim, feliz. E eu tenho sido, claro.
O meu avô trabalhou a vida inteira, desde os 8, e quando chegou aos 65 tinha uma reforma tão pequena que trabalhou mais 7. A minha mãe diz que nunca o viu tão feliz como nas primeiras eleições, em 1975. E o dia em que o vi mais chateado foi nas presidenciais, porque já não podia ir votar contra o Cavaco.
O meu avô sonhava que eu fosse jornalista, daquelas de ir às guerras e entalar os políticos, mas habituou-se à minha opção e guardava recortes para me perguntar coisas do Partido, às vezes semanas. Vocês fizeram isto mal, vocês haviam de pegar nisto. Vocês fazem muita falta.
O meu avô esteve internado quase 7 meses e nunca desanimou. Contou anedotas, disse piadas, fez amizade com o fisioterapeuta, viu o telejornal religiosamente, manteve-se fiel à decisão de só ler o Record quando o Sporting ganhava - para o fim era o meu pai que lia alto. O meu avô conheceu o Miguel e gostou dele. O meu avô só ficou triste, mesmo triste, até chorou, quando eu fiz a escritura da casa: porque sempre tinha imaginado ajudar-me a comprar uma coisinha melhor e agora não podia. E tenho pena que não tivesse podido vir cá ver, para ficar descansado que a neta está bem instalada.
O meu avô ensinou-me sempre a alegria. Quando me ensinava anedotas impróprias para crianças para eu contar aos amigos dele e envergonhar a minha mãe. Quando me ensinava as coisas da escola. Quando era teimoso que nem um burro. Quando dizia piadas desconcertantes nos momentos mais tensos, e nós tinhamos que rir todos. Quando entregou o IRS pela internet, no ano passado. Quando rebentava de orgulho quando alguém dizia bem de mim e do meu irmão. Mesmo quando esteve no hospital, cada vez mais fraco, o meu avô não me ensinou mais nada que não fosse alegria, alegria de viver, alegria de ter esperança, alegria de ter amigos, alegria de ter pessoas de quem se gosta.
O meu avô era uma pessoa maravilhosa e eu tive mesmo sorte.

3 Comentários:

Blogger vox disse...

Todos os avôs são diferentes, mas senti tanto o que escreveste!...
Neste caso pode dizer-se: o poema é da margarida mas não me importava que fosse meu. Também sinto saudades boas, também tive sorte.
Por outro lado, encanta-me o teu optimismo, admiro-o (e isto é um resumo dos últimos posts). Não consigo partilhálo e tenho pena...

09 março, 2007 10:22  
Blogger IPQ disse...

Querida amiga. Como te percebo...
ontem também foi um dia especial para mim. Fez dois anos que fui operada. Uma outra forma de viver a data.
Beijos

09 março, 2007 16:46  
Blogger Telescópio disse...

Penso todos os dias na minha avó, ainda hoje sinto que ninguém me influenciou como ela. E já não sei em que dia ela morreu, nem sequer há quantos anos foi. É porque, no funfo no fundo, ela não morreu. As pessoas que amamos nunca morrem.

09 março, 2007 17:33  

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