14 fevereiro, 2007

Agonia

Confesso desde já que não sou grande fã de iniciativas como os grandes portugueses ou as maravilhas do mundo. Mas enfim, há coisas bem piores e sempre é uma maneira das pessoas aprenderem alguma coisa. No caso dos grandes portugueses achei, nesse sentido, interessante o facto de estarem a fazer aquilo que eles chamam de documentários, mas que prefiro chamar reportagens ou apontamentos televisivos sobre cada personalidade. Confesso também que não tenho visto muitos, pelo que não posso ter uma opinião geral sobre a qualidade do projecto.
Mas ontem vi o programa sobre o Salazar. Ai!
De início até dei o benifício da dúvida, apesar daquilo ter começado com umas tretas sobre a guerra civil de Espanha, cuja pertinência não percebi muito bem. Depois a coisa evoluiu para alguns dados biográficos, o que se pode, até certo ponto, considerar didáctico: pode ajudar a perceber como surgiram ideias e doutrinas que estiveram à frente da história do nosso país durante tantos anos. Até aí, parecia haver a possibilidade não de se estar a querer justificar Salazar, mas a tentar percebê-lo.
A partir do momento em que se começa a falar da chegada dele ao poder a coisa descamba: no Tarrafal as pessoas morriam por estarem doentes, não me lembro de se usar a expressão "perseguição política", quase nada se falou da PIDE e a palavra "tortura" nunca foi dita.
Salazar foi apresentado como um grande estadista que salvou as finanças públicas pelo controle da dívida externa (não vos soa familiar e estranhamente contemporâneo, isto?) e que dedicou toda a sua vida à independência da nação, da pátria, primeiro frente aos Espanhóis (pasme-se!) e depois contra o papão comunista. Mais, é assumido que as premissas desta doutrina (não a prática - sejamos justos!), continuam a ser as da direita portuguesa. As palavras "liberdade" e "católicos" forma usadas sem pudor, sem pudor nenhum.
Eu nem sequer me insurgi contra o facto de ele ter sido incluido entre os grandes portugueses: afinal vivemos - hoje - em liberdade. Relativa, mas em liberdade, onde cada um é livre de votar em quem quiser. Mas branquear a memória de um povo que já por si tem memória curta, parece-me no mínimo insultuoso, para não dizer nojento.
Podem acusar-me de não ter amor à pátria. Não tenho. Venham os espanhóis à vontade que a única coisa que eu exijo é que possamos manter a nossa língua e que os filmes não sejam dobrados. De resto, quero lá saber. O Alberto João que leve a Madeira, que é para o lado que eu durmo melhor... Muitas vezes tenho vergonha do meu país e frequentemente me desiludo com aquilo que nele eu mais amo - as pessoas. Mas há uma coisa de que não abdico: somos moles, preguisosos, taciturnos, mas quando nos pisam os calos demasiado tempo, com demasiado força, unimo-nos e lutamos. Alguns fazem-no com mais frequência, mas unidos, como um povo inteiro, isso é mais raro. O 25 de Abril foi uma raridade, mas existiu. E existiu porque havia uma guerra promovida por uma ditadura (e dentro desta palavra leia-se também censura, tortura, prisões, perseguições...) que ningém queria.
Foi dito que Salazar não era fascista porque não foi revolucionário, porque não queria mudar o povo, o que queria era menter tudo como estava: o império, as colónias, a doutrina católica, a tradição. A geração dos nosso pais e avós lutou contra isso e muitos deram a vida pela mudança, para que nada, nunca mais, ficasse na mesma.
E nós? Perante este branqueamento de um passado tão recente, fazemos alguma coisa? Se um milhão de pessoas tiver visto aquele "documentário" e 900 mil se indignarem, de pantufas, no conforto do lar, acham que uma, apenas uma, vai fazer alguma coisa? Não. Não tenhamos ilusões. Ninguém vai fazer nada. Nunca ninguém faz nada. Fica sempre tudo na mesma. Ficamos a agonizar sozinhos, em silêncio, muitas vezes corroídos por dentro. Mas... nada!
Salazar não terá ganho? Temos o país que merecemos...

1 Comentários:

Blogger Margarida disse...

Eu não vi o programa, mas do que tu dizes até acho que é ilegal: há uma lei no nosso país que proíbe que se promovam as ideias e as figuras fascistas. Mas pronto!
Mas acho-te muito pessimista: olha que há tanta gente a fazer tanta coisa! Gente que se sindicaliza mesmo que o patrão diga que não renova o contrato. Gente que lê. reflecte, estuda, cria. Gente que se associa e se organiza, mesmo por coisas que nos parecem pequenas. Gente que vai ao funeral do Sérgio Vilarigues, comemorar a vida, a luta, a dignidade dos resistentes anti-fascistas. Gente que lança petições contra o Museu Salazar que querem fazer em Santa Comba - eu tenho, se quiserem assinar.
Olha:e em Castelo de Vide, onde o padre prometeu excomungar quem votasse no Sim,passou-se de 73% para mais de 80. É a vida!

15 fevereiro, 2007 09:24  

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