30 janeiro, 2007

Aqui mando eu!

Há uns tempos tive uma conversa com uma amiga que se mostrava um bocado indignada com a expressão "aqui mando eu" escrita na barriga de uma mulher que se manifestava à porta do tribunal onde estava a ser julgada uma mulher por ter abortado. A minha amiga achava que a frase era demasiado forte e que seguia uma via agressiva, que daria um tom provocatório a questão da IVG que, e aí estamos de acordo, deve ser tratada com cuidado. Eu, além de atribuir um valor diferente à expressão - que, sinceramente, não me parece ofender ninguém - encontro nela motivações subjacentes que me parece não estarem a receber a devida atenção nesta discussão.
Senão vejamos: quem é que pode ser alvo de denúncia, processo no tribunal e consequente prisão? É a mulher - não é o pai do embrião, feto ou criança, como lhe queiram chamar -, nem a família, nem os amigos. Faz muita confusão a algumas pessoas que a pergunta do referendo inclua a expressão "a pedido da mulher" ou "por opção da mulher" (não sei bem). Mas alguém perguntava e bem: "Mas havia de ser por opção - ou a pedido - de quem?"
A natureza determinou que somos nós, as mulheres, que temos de ter os filhos dentro da barriga. Se fosse os homens seria eles a irem presos se abortassem? Não são precisos 2 para "dançar o tango"? Será que se a lei determinasse que os pais dos embriões, fetos ou crianças abortados também pudessem ser julgados e presos - tipo como na licença de parto, a que já os dois têm direito - a vitória do "sim" no referendo não estaria garantida?
Antes de concluir e, seguindo esta linha de raciocínio, faz-me igualmente confusão que pessoas que já tenham abortado votem "não". Também foi dito que se fosse esse o caso era porque entretanto essas mulheres se tinham apercebido que tinham cometido um erro, que estavam arrependidas. Hum... Então porque é que não se vão entregar à polícia?
Todos nós, seguramente, conhecemos alguém que já tenha abortado -nem que seja a amiga da amiga se que já se ouviu falar. Queremos, sinceramente, denunciar, julgar e prender essas pessoas? Será que os tribunais e as prisões teriam lugar só para as 10 mulheres por dia - e vamos pensar apenas nessas, como exercício - que vão abortar a Badajoz? Se a resposta a esta pergunta for não, então para que serve esta lei?
Hipócritas! Aqui mando eu e "mai nada"!

2 Comentários:

Blogger IPQ disse...

Exactamente, minha amiga.

02 fevereiro, 2007 10:13  
Anonymous Anónimo disse...

É indiscutível q esta é uma questão especialmente feminina...a decisão última cabe à mulher; são as mulheres q são julgadas e sujeitas à exposição do seu corpo e à humilhação pública. Tb concordo contigo quando dizes q esta acaba por ser uma discriminação de género - se os homens sofressem mais as consequências, o aborto já teria sido despenalizado.
Mas mantenho a minha discordância com a utilização de barrigas pintadas com "aqui mando eu!" em manifs pró-despenalização. Discordo, não por um qq principio moralizador,mas porque me parece contraproducente para a nossa luta. Não por mim... eu posso ñ gostar, mas enquanto defensora indefectivel do SIM não é esta palavra de ordem q me faz mudar de opinião. Mas será q os indecisos - aqueles q importa conquistar - não se poderão afastar perante argumentos deste tipo?
Sinto-me ofendida e humilhada (e grito com a televisão ao ver o Pros e Contras - mesmo sabendo q os senhores não me ouvem) com os argumentos moralistas e falaciosos do Não, q tentam reduzir as mulheres q abortam ou ponderam abortar a pessoas sem principios éticos. Mas tb não me revejo, nem acho q se convençam indecisos c "aqui mando eu!". Argumentos deste género dão uma ideia de facilidade q se quer justamente combater. Não parece um bocado contraditório falar do DRAMA do aborto clandestino e de q a interrupção é uma DECISÃO DIFICIL e defender 1 argumento q exprime tantas certezas como "aqui mando eu" ?
Estas questões tb me fazem pensar a outro nivel, q vai além do argumentário da luta politico-legal. Há uns anos atrás recorri ao aborto clandestino. Não para comprar um carro como na propaganda demagógica do Não. Mas tb não com uma postura exacerbada de autodeterminação. Foi algo ponderado e partilhado com o meu namorado, mas mesmo com esse apoio foi algo q realmente custou. Aos dois. (e imagino o q custará aquelas q se vêem sozinha em situações semelhantes...)
Não me arrependo da decisão (ao contrário do q tb diz certa propaganda do Não) mas tb acho q na hora H de decidir, o q passa pela cabeça é algo bem mais complexo do q "aqui mando eu!"

P.S. desculpem lá o comentário tão grande, mas nem sempre se consegue ser sintética em questões q mexem tanto connosco...

06 fevereiro, 2007 16:43  

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