21 dezembro, 2006

O estranho silêncio

Estreia hoje o filme «20,13», do Joaquim Leitão, realizador pelo qual não nutro grande simpatia mas que tem tido o condão de convocar público às salas com algumas das obras que produz.

O mote é a guerra colonial, anunciam-se histórias de amor e morte sob o sol africano. E é precisamente por isso que lhe bato palmas antecipadas, independentemente da qualidade do filme. O sr. Leitão teve a esperteza de pegar num dos temas mais esquecidos [silenciados?] da história portuguesa. Falar dos fantasmas é afinal fazer catarse, não? Honra ao Leitão. Pim!

O meu pai combateu na Guiné. Raras vezes fala disso, mas sei que era enfermeiro de combate [«a G3 numa mão e a mala de primeiros socorros na outra, filho»] e foi um dos poucos que sobreviveu no pelotão dele. Perdeu demasiados amigos, uma vez teve que esconder-se debaixo dos corpos sem vida de alguns para salvar a dele. Não vai aos jantares do regimento número tal de não sei onde porque lhe faltam lá laços. Ele foi um dos sortudos, dos que sobreviveu para contar a história. E, estranhamente, prefere não a contar. Tal como a maioria dos que combateram em África.

Na mesma altura em que os portugueses largavam bala, napalm e agente laranja em África, os americanos repetiam o gesto no Vietname, onde estive há pouco tempo. Lá existem museus da guerra, memoriais às vítimas, o tema é conversa constante para posicionar a realidade do país. Nos States, os traços repetem-se. A catarse americana operou-se com histórias, monumentos, filmes. É como encontrar paz de espírito por revelar o horror da guerra. Sarar a insanidade.

Por cá nada. Só o silêncio. Estranho, não acham?

2 Comentários:

Blogger Lina Santos disse...

Tens muita, toda, a razão e quanto mais penso nisso, mais tenho a certeza que já não vamos a tempo de remediar nada e essa parte da nossa memória vai perder-se para sempre.

22 dezembro, 2006 01:33  
Blogger vox disse...

Também concordo. Mas passa-se o mesmo, por exemplo com toda a história da resistência. O Museu da Resistência em Lion é de arrepiar, de ficar com lágrimas nos olhos. Respeito muito o nosso, até se esforça. Mas parece-me que temos um património de memórias que está a fugir por entre os dedos como areia. A questão é que a vida dos investigadores também não é muito facilitada - falo por experiência própria na torre do tombo. E os arquivos da RTP e do próprio exército em termos de imagens? Quem é que consegue lá chegar?

22 dezembro, 2006 14:56  

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