07 novembro, 2006

Há dias assim

Toda a gente tem dias assim: em que dormimos mal porque choveu e trovejou tanto aqui em cima da minha casinha que a rua se transformou num rio, sem passeios, e entrou água na escada do meu prédio. Em que acordamos a correr, e engolimos o pequeno-almoço a correr, e tomamos banho a correr, e o trânsito está pior do que o costume. Em que nos sentamos à mesa a ver como havemos de resolver os problemas e ouvimos ouvimos ouvimos opiniões e a solução não aparece. Em que voltamos para casa a horas impróprias, sozinhos na estrada, um nó na garganta de insegurança.
Em que fizemos planos para namorar, estar com os amigos em dias importantes ou em dias apenas normais, e não deu. Desculpa Miguel, desculpa Inês, desculpa Ricardo.

E posto o ponto prévio em jeito de desabafo, quero comentar uma coisinha e fazer uma declaração. A saber:

1- a coisinha: eu não me tenho na conta de ser uma rapariga com palas nos olhos no que diz respeito ao humor. Rio-me em geral com tudo. O Sérgio até diz que eu sou bom público: apanhados, gaffes, enganos, trocadalhos do carilho, anedotas sádicas e piadas secas, é preciso mesmo uma grande falta de gosto para eu não me rir. Mesmo nas alturas mais inconvenientes, o que não abona nada em relação aos meus 30 anos. Mas o Gato Fedorento eu já não consigo: a PT, os Grandes Portugueses, o Licor Beirão, já enjoa. A gota de água foi quando o Ricardo Araújo Pereira resolveu dizer no Sol que o Álvaro Cunhal cheira a mofo. Ora aqui está um bom exemplo de mau gosto, tendo em conta que a pessoa em causa morreu há ano e meio. Mas o que o engraçado Ricardo queria dizer é que o Álvaro Cunhal era um homem cinzento, sem chama, ultrapassado. O que não é fácil de dizer de quem esteve na clandestinidade a lutar para, entre outras coisas, o Ricardo Araújo Pereira poder fazer os programas que entender, de quem no meio da luta intensa pela liberdade e a felicidade a que dedicou a vida, encontrou maneira de escrever ensaios sobre arte, romances, contos, relexões sobre a vida. A mofo? A mofo cheira quem já não consegue fazer piadas a não ser em cima de preconceitos.

2- a declaração: eu gosto de fado. Não da triste pobrezinha abandonada, com as senhoras aos gritos de xaile traçado. Amália incluída. Mas gosto do Carlos do Carmo e dos poemas lindos que canta. Gosto do fado marialva, cantado por gente simples no salão dos bombeiros lá da minha terra, com chouriço assado e moelas à viola. Claro que depois desta declaração nunca mais posso ser pós-moderna, apesar dos óculos de massa e de saber, ainda que vagamente, por que é que raio o gato está no capacho. Mas é assim a vida: já não vou a tempo de me cultivar muito mais que isto.

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