- Camaradinha, no dia em que houver uma greve e um guindaste da Lisnave se mexer, é uma grande vergonha para nós todos.
É um homem que parece mais velho do que é. Preocupações, trabalho duro ao ar livre, sonhos virados do avesso sempre causam mossa. Rugas fundas que se iluminam num sorriso maroto enquanto diz coisas numa língua esquisita qualquer.
- Sabes o que é que eu disse, camaradinha? Não sabes, pois não? Greve geral 30 de Maio, em romeno.
No estaleiro da Lisnave, na Mitrena, em Setúbal, trabalham quase duas mil pessoas a consertar barcos enormes, cheios de mazelas, que procuram ali os melhores profissionais do mundo. 2 mil pessoas, 400 empresas, 400 patrões, quase mil estrangeiros. Imigrantes russos, búlgaros, africanos, mais de 300 romenos.
Dia 30 de Maio há greve geral. Contra o trabalho precário e homens lado a lado, a consertar o mesmo navio, a ganhar salários diferentes. O Sindicato pintou faixas, colou cartazes, distribuiu documentos, arranjou tradutores, a dizer em português, romeno, búlgaro e russo: 30 de Maio, Greve Geral.
Não é desta que o meu camarada há-de passar vergonhas.